Em 4 de maio de 2000, foi editada a Lei Complementar nº 101, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a qual estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, e que completa 25 anos agora em 2025, sendo um marco estruturante do ordenamento jurídico brasileiro, direcionado à disciplina, ao controle e à eficiência na administração das finanças públicas.
Promulgada em um cenário de instabilidade fiscal, a LRF consolidou princípios como o equilíbrio orçamentário, a transparência na execução das contas públicas e a responsabilização dos gestores, promovendo uma cultura de planejamento e previsibilidade na administração financeira.
A lei em comento tem se revelado uma peça fundamental para o fortalecimento do federalismo fiscal e da governança pública, embora ainda existam desafios consideráveis.
Dentre os principais avanços proporcionados pela lei, destaca-se a institucionalização de instrumentos de controle, como a fixação de limites para despesas com pessoal e endividamento, que contribuem para conter a expansão descontrolada dos gastos e proteger a sustentabilidade financeira das administrações públicas.
A exigência de metas fiscais e a inclusão de previsões de risco no planejamento orçamentário permitiram que os entes federativos passassem a atuar com maior responsabilidade e alinhamento entre suas ações e capacidades arrecadatórias.
No entanto, mesmo após duas décadas e meia de vigência, muitos dos objetivos da LRF ainda permanecem aquém do ideal, persistem situações em que entes federativos, especialmente no âmbito estadual e municipal, ultrapassam sistematicamente os limites legais de despesas com pessoal, comprometendo o equilíbrio das contas públicas.
A dificuldade de aplicar sanções com efetividade e a resistência a medidas corretivas previstas na própria Lei demonstram a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de governança fiscal, em muitos casos, a ausência de responsabilização real desestimula o cumprimento voluntário das regras e enfraquece o seu papel preventivo.
Nesse contexto, ganha relevância a crescente adoção de mecanismos de solução consensual de controvérsias, inclusive no que se refere às despesas com pessoal. Dentre esses instrumentos, destaca-se o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG), cujo principal objetivo é viabilizar a composição prévia, com a definição de prazos para a correção de falhas identificadas na execução orçamentária, financeira, administrativa ou operacional da Administração Pública.
Quando bem estruturados, os TAGs contribuem para a recuperação do equilíbrio fiscal e o aprimoramento dos processos administrativos, respeitando a autonomia dos entes e promovendo maior comprometimento dos gestores com os resultados.
Além disso, a Instrução Normativa TCU nº 91/2022 reconhece o valor do diálogo institucional como meio de prevenir conflitos e promover decisões mais eficazes e legítimas.
No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, em 2024, reforçando a adesão ao consensualismo, foi instituída a mesa técnica (Resolução TC nº 359/2024), que consiste em um instrumento de garantia do controle dialógico. Essa iniciativa busca soluções consensuais como forma de prevenção a litígios e problemas estruturais, mediante reuniões técnicas de trabalho com órgãos e entes da Administração Municipal e Estadual, contribuindo, assim, para a superação dos apontamentos de irregularidades constantes nos relatórios elaborados pelos órgãos técnicos da Corte de Contas Sergipana.
A criação de instâncias colaborativas, como comissões de solução consensual e mesas técnicas interinstitucionais, integradas por representantes dos Tribunais de Contas, Ministérios Públicos, gestores e demais órgãos da administração pública, tem se consolidado como estratégia eficiente para a construção de soluções pactuadas, fundamentadas em critérios técnicos e adaptadas à realidade de cada ente federativo.
Esses espaços qualificam a interlocução, favorecem o esclarecimento de interpretações normativas, padronizam procedimentos e fortalecem a atuação orientadora dos órgãos de controle, substituindo a lógica punitiva por uma abordagem preventiva e cooperativa.
Essa lógica colaborativa de fiscalização, inspirada em práticas mais resolutivas e pedagógicas, permite que os Tribunais de Contas exerçam seu papel de controle com foco na melhoria da gestão, e não apenas na punição retroativa.
Os mecanismos de solução consensual de controvérsias constituem instrumento jurídico-administrativo voltado à correção de irregularidades detectadas, sem a imposição imediata de penalidades, desde que haja o compromisso formal e monitorado do gestor em adotar as medidas necessárias.
Neste sentido, destaca-se, em 2023, a atuação do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe como exemplo de mediação pautada no princípio do consensualismo. Após reunião com o Prefeito e o Presidente da Câmara de Vereadores do Município de Cristinápolis, a Corte de Contas Sergipana intermediou a resolução de um impasse orçamentário que vinha comprometendo o início do ano letivo para aproximadamente quatro mil alunos da rede pública municipal.
Como resultado desse processo dialógico e cooperativo, foi pactuada, no âmbito legislativo local, uma suplementação orçamentária de aproximadamente dois milhões de reais, valor suficiente para assegurar o serviço de transporte escolar dos alunos. Esta atuação demonstrou que a harmonização entre o rigor fiscal previsto na lei fiscal e soluções institucionais construídas de forma consensual contribui decisivamente para a efetividade das políticas públicas.
Portanto, ao completar 25 anos, a LRF mantém-se como uma norma fundamental para a gestão pública no Brasil. No entanto, sua eficácia total dependerá cada vez mais da combinação entre a rigidez legal e a adaptabilidade inteligente oferecida pelas soluções consensuais, em consonância com os novos paradigmas da Administração Pública, conciliando a legalidade, diálogo técnico e compromisso com resultados sustentáveis.
*Por Rafael Sousa Fonsêca, conselheiro substituto do TCE/SE